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DÉFICIT EM PLANOS BD: COMO EQUACIONÁ-LO DE FORMA JUSTA E DURADOURA

 

Guilherme Fernandes Sanches
Bacharel em Ciências Econômicas pela PUC-Rio
Economista do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES

Este artigo é de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, a opinião do BNDES.

Artigo recebido em 20/11/2014 - Aprovado em 27/11/2014 

RESUMO: O objetivo deste artigo é demonstrar uma forma justa e duradoura para o equacionamento de déficit em planos de previdência da modalidade benefício definido. As Resoluções MPS/CGPC nº 26/2008 e MPS/CNPC Nº 14/2014 exercem papel fundamental nesse aspecto. A individualização do equacionamento do déficit guarda relação com o fundamento do regime financeiro de capitalização no sentido de que os indivíduos devem acumular recursos suficientes para o recebimento de seus benefícios. Dessa forma, é proposta uma proporção contributiva para o equacionamento do déficit que leva em consideração a reserva matemática individual descontada de contribuições e benefícios passados individuais.

PALAVRAS-CHAVE: previdência complementar fechada, benefício definido, destinação de superávit, equacionamento de déficit.

 

ABSTRACT: The goal of this paper is to demonstrate a fair and long lasting way for deficit equating in defined benefit pension plans. The Resolutions MPS/CGPC 26/2008 and MPS/CNPC 14/2014 play a main role in this aspect. The individualization of deficit equating is related to the foundation of capitalization financial regime under the idea that individuals must accumulate sufficient resources for its own benefits. Thereby a contributive proportion for deficit equating that takes into account the individual mathematical reserve discounted of past individual contributions and benefits is proposed.

KEYWORDS: pension plans, defined benefit, surplus destination, deficit equating

 

1. Introdução

Segundo o Ministério da Previdência Social (2014), o Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC) é o órgão com a função de regular o regime de previdência complementar operado pelas entidades fechadas de previdência complementar, nova denominação do então Conselho de Gestão da Previdência Complementar (CGPC).

O CNPC é presidido pelo ministro da Previdência Social e composto por representantes da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), da Secretaria de Políticas de Previdência Complementar (SPPC), da Casa Civil da Presidência da República, dos Ministérios da Fazenda e do Planejamento, Orçamento e Gestão, das entidades fechadas de previdência complementar, dos patrocinadores e instituidores de planos de benefícios das entidades fechadas de previdência complementar e dos participantes e assistidos de planos de benefícios das referidas entidades.

A Emenda Constitucional nº 20/1998 representa um marco na história da previdência complementar brasileira. De acordo com seu Art. 5º, a exigência de paridade entre a contribuição da patrocinadora e a contribuição do segurado passaria a ter vigência no prazo de 2 (dois) anos a partir da publicação da referida emenda, que data de 15 de dezembro de 1998. A partir de 15 de dezembro de 2000, portanto, a contribuição normal do patrocinador para plano de benefícios, em hipótese alguma, poderia exceder a do participante, conforme reafirma a Lei Complementar nº 108, de 29 de maio de 2001.

Na próxima seção, são introduzidos conceitos básicos de ciências atuariais. Em seguida, são discutidos os impactos das Resoluções MPS/CGPC nº 26/2008 e MPS/CNPC nº 14/2014. A seção seguinte trata do risco atuarial e suas premissas. O artigo termina com uma conclusão que evidencia o caráter mais individualista que os planos de previdência da modalidade benefício definido (BD) possuem hoje.

 

2. Conceitos básicos

Para facilitar o entendimento das próximas seções, disponibilizam-se a seguir algumas definições atuariais importantes retiradas de MPS (2011).

Ativo do Plano: Somatório de todos os bens e direitos do Plano de Benefícios.

Contribuição: Aporte pecuniário para custear o plano de benefícios.

Contribuição Extraordinária: Contribuição realizada pela patrocinadora e pelo participante ou assistido, destinada ao custeio de déficit, serviço passado e outras finalidades não incluídas na contribuição normal.

Contribuição Normal: Contribuição realizada pela patrocinadora e pelo participante ou assistido, de caráter obrigatório e definida anualmente no plano de custeio, destinada a constituição de reservas com a finalidade de prover o pagamento de benefícios.

Déficit Atuarial: Corresponde à insuficiência de recursos para cobertura dos compromissos dos Planos de Benefícios. Registra a diferença negativa entre os bens e direitos (ativos) e as obrigações (passivos) apurada ao final de um período contábil.

Meta Atuarial: Parâmetro mínimo desejado para o retorno de investimentos, geralmente fixado como sendo a taxa real de juros adotada na avaliação atuarial conjugada com o índice do plano.

Passivo Atuarial: Valor atual, calculado atuarialmente, dos compromissos presentes e futuros do plano de benefícios para com a sua massa de participantes na data da avaliação.

Plano de Benefício Definido (BD): Plano cujos benefícios programados têm seu valor ou nível previamente estabelecidos, sendo o custeio determinado atuarialmente, de forma a assegurar sua concessão e manutenção.

Prazo de Acumulação: Tempo decorrido entre o aporte de recursos no plano de benefícios mantido por entidade de previdência complementar, ou por sociedade seguradora, e o pagamento relativo ao resgate ou ao benefício.

Regime Financeiro de Capitalização: Regime onde há a formação de uma massa de recursos acumulada durante o período de contribuição, capazes de garantir a geração de receitas equivalentes ao fluxo de fundos integralmente constituídos, para garantia dos benefícios iniciados após o período de acumulação dos recursos.

Regime Financeiro de Repartição Simples: Regime que objetiva fixar taxas de custeio capazes de garantir a geração de receitas equivalentes ao fluxo de despesas do exercício.

Reserva de Contingência: Valor constituído somente se o plano apresentar superávit. Pela legislação atual, não poderá ser superior a 25% do total das Reservas Matemáticas.

Reserva Especial para Revisão do Plano de Benefícios: É o valor do Superávit Técnico do Plano de Benefícios que exceder o valor da Reserva de Contingência, com o objetivo de ser utilizado, após 3 (três) exercícios consecutivos, na redução das contribuições ou na melhoria dos benefícios.

Reserva Matemática: Montante calculado em uma determinada data, correspondente aos encargos acumulados, destinado a pagamento futuro de benefícios, considerando o regulamento do plano e o plano de custeio em vigor, que corresponde à diferença entre o valor atual das obrigações com os benefícios do plano e valor atual dos direitos de contribuições futuras destinadas à cobertura destes mesmos benefícios.

Reserva Matemática de Benefícios a Conceder: Corresponde ao valor necessário para pagamento dos benefícios que serão concedidos aos participantes que ainda não estão recebendo benefício pela entidade.

Reserva Matemática de Benefícios Concedidos: É o valor do compromisso da entidade em relação a seus atuais aposentados e pensionistas, descontado do valor atual das contribuições que esses aposentados e pensionistas e/ou respectiva patrocinadora irão recolher à entidade.

Resultado Acumulado (ou Resultado Técnico): Diferença entre déficit e superávit técnicos.

Superávit do Plano: Situação em que a diferença entre os ativos e os compromissos do plano de benefícios é positiva.

Tábuas Biométricas: Instrumentos estatísticos e demográficos utilizados pelos atuários para medir, em cada idade, as probabilidades dos eventos de morte, sobrevivência, morbidez e invalidez de determinado grupo de pessoas vinculadas a um Plano de Benefícios.

Taxa de Juros Atuariais: Hipótese utilizada na avaliação atuarial destinada a projetar o comportamento, a longo prazo, dos retornos dos investimentos dos recursos garantidores, excluído o efeito da inflação, e também para determinar o valor atual de qualquer compromisso diferido do Plano de Benefícios.

 

3. Resolução MPS/CGPC nº 26/2008

Entre outros assuntos, a Resolução MPS/CGPC Nº 26/2008 trata do detalhamento das regras para destinação de superávit presentes na Lei Complementar nº 109/2001. A ideia principal é que o superávit deve ser destinado para duas contas diferentes: reserva de contingência e reserva especial. Inicialmente, o superávit deve ser destinado para a reserva de contingência até o limite de 25% (vinte e cinco por cento) das reservas matemáticas. Essa reserva tem a função de cobrir eventuais perdas futuras e incertas, atuando como uma espécie de buffer de conservação de capital contra oscilações de ativo e passivo. O restante deve ser destinado para a reserva especial, que vai diretamente para os participantes do fundo naquele momento – através, por exemplo, de redução de contribuições.

A preocupação do Conselho de Gestão de Previdência Complementar como regulador é a de que a utilização do superávit seja feita por quem o acumulou. Trata-se de uma visualização dos planos de benefício definido de um ponto de vista mais individualista, com mais características de regime de capitalização e menos de repartição simples.

Lima e Rodrigues (2014) fazem uma análise interessante em relação à proporção contributiva do equacionamento do déficit presente na Resolução MPS/CGPC nº 26/2008. Por meio de tal análise, conclui-se que a norma aprovada pelo CNPC disciplina que o resultado deficitário seja coberto por todas as partes – patrocinador, participantes e assistidos – obedecendo à proporção contributiva do período em que foi gerado. Nos planos em que a contribuição é paritária, a cobertura também deve ser paritária. A regra é importante, pois há planos em que déficits são cobertos alterando-se o regulamento do plano para reduzir os benefícios a conceder. Essa medida tende a atribuir toda a cobertura aos participantes, por meio da redução de seus benefícios. As alterações têm o objetivo de fazer com que, nos planos mutualistas, cujas reservas são coletivas, todos participem da cobertura, estabelecendo uma distribuição mais equânime dos ônus, sem beneficiar ou prejudicar ninguém.

Destaca-se que a análise de Lima e Rodrigues (2014) é anterior à Resolução MPS/CNPC Nº 14/2014, que, entre outros assuntos, adiciona aspectos individuais à proporção contributiva do equacionamento do déficit, como visto a seguir.

 

4. Resolução MPS/CNPC Nº 14/2014

A alteração mais importante que a Resolução MPS/CNPC Nº14/2014 impõe diz respeito à proporção contributiva em planos de equacionamento de déficit. Para obter um entendimento completo da questão, reproduz-se a seguir a redação original da Resolução MPS/CGPC Nº 26/2008 anterior à modificação imposta pela Resolução MPS/CNPC Nº 14/2014:

“Art. 29. O resultado deficitário apurado no plano de benefícios deverá ser equacionado por participantes, assistidos e patrocinadores, observada a proporção quanto às contribuições normais vertidas no exercício em que apurado aquele resultado, sem prejuízo de ação regressiva contra dirigentes ou terceiros que tenham dado causa a dano ou prejuízo ao plano de benefícios administrado pela EFPC.”

Reproduz-se, a seguir, a redação da Resolução MPS/CGPC Nº 26/2008 vigente, que abarca a modificação imposta pela Resolução MPS/CNPC Nº14/2014:

“Art. 29. O resultado deficitário apurado no plano de benefícios deverá ser equacionado por participantes, assistidos e patrocinadores, observada a proporção contributiva em relação às contribuições normais vigentes no período em que for apurado o resultado, estabelecendo-se os montantes de cobertura atribuíveis aos patrocinadores, de um lado, e aos participantes e assistidos, de outro, sem prejuízo de ação regressiva contra dirigentes ou terceiros que tenham dado causa a dano ou prejuízo ao plano de benefícios administrado pela EFPC. 

§ 1º O equacionamento do resultado deficitário pelos participantes e assistidos, relativamente ao montante que lhes couber na divisão de que trata o caput deste artigo, deverá se dar considerando a reserva matemática individual (grifo nosso) ou o benefício efetivo ou projetado atribuível a cada um deles. (Incluído pela RESOLUÇÃO MPS/CNPC Nº 14, DE 24 DE FEVEREIRO DE 2014 - DOU DE 03/04/2014) (...)”

A proporção contributiva, que mencionava apenas a contribuição normal de cada participante, passa agora a considerar, necessariamente, a reserva matemática individual. De acordo com Rodrigues e Corrêa (2014)[1], o equacionamento compulsório toma em consideração as parcelas das provisões matemáticas que adotam a modalidade de benefício definido, independente da nomenclatura adotada no plano como um todo.

Vale destacar que a individualização do equacionamento do déficit não é inconsistente com aspectos de mutualismo e solidariedade. O mutualismo e a solidariedade continuam existindo na medida em que a responsabilidade pelo equacionamento ainda é dividida por todos. O que mudou foi a forma de se fazer tal divisão, que passa a incorporar a reserva matemática individual como ponderador.  

Para deixar o aspecto de proporção contributiva mais claro, será realizado um exercício que demonstra a dinâmica dos fundos de benefício definido. Sem perda de generalidade, esse exercício contemplará um plano BD que contabiliza os compromissos líquidos com seus participantes na forma de reserva matemática individual. Os resultados são análogos para os casos de benefício efetivo ou projetado.

Imagine a situação hipotética em que seja criado um plano de benefício definido sem recursos no momento inicial e com apenas um participante. Ao entrar nesse fundo, o participante precisa apresentar valor presente de benefícios futuros igual ao valor presente de contribuições futuras – isto é, reserva matemática individual nula no momento inicial. Do ponto de vista contábil, o fundo não apresenta nenhum ativo e nenhum passivo no momento inicial.

Ao longo do tempo, as contribuições do indivíduo vão se tornando ativos do fundo, através do investimento em ações, títulos de renda fixa, etc. Como parte das contribuições já ficou para trás, a conta de reserva matemática individual já passa a apresentar saldo positivo. E assim o indivíduo vai compondo investimentos (ativo) e aumentando reserva matemática (passivo) durante todo o prazo de acumulação até chegar no primeiro dia de sua aposentadoria. Nesse momento, o indivíduo apresenta valor máximo de reserva matemática, pois ainda não usufruiu do benefício e vê cessado seu prazo de acumulação.

É preciso destacar que a análise da Resolução MPS/CNPC Nº 14/2014 deve se dar levando-se em consideração o contexto de cada fundo. A reserva matemática individual olha apenas para o futuro, desconsiderando o passado. Sem perda de generalidade, devido a diferentes condições de adesão e/ou rentabilidade ao longo do prazo de acumulação, indivíduos com reserva matemática elevada podem ter acumulado recursos suficientes para a cobertura de seus benefícios.

 

4.1. O Conceito de Reserva Matemática Líquida

Para fins de proporção contributiva no equacionamento do déficit, define-se uma nova variável igual à reserva matemática individual líquida de contribuições e benefícios passados individuais trazidos a valor presente pelo histórico de rentabilidade do ativo da EFPC. Passa a ser possível, dessa forma, individualizar o equacionamento do déficit considerando todo o histórico de contribuições e benefícios de cada indivíduo, o que vai ao encontro da própria definição do regime financeiro de capitalização.

           Suponha, por exemplo, que 2 (dois) indivíduos A e B em um fundo de previdência da modalidade benefício definido estejam a um dia do início de sua aposentadoria. O indivíduo A apresenta valor presente de contribuições passadas igual a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais). Já o indivíduo B, por diferentes condições de adesão e/ou rentabilidade ao longo do tempo, apresenta valor presente de contribuições passadas igual a R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais). Ambos os indivíduos possuem a mesma idade, mesmo sexo e outras características semelhantes de forma que suas reservas matemáticas individuais no momento imediatamente anterior à aposentadoria são idênticas. É justo que esses indivíduos sejam tratados da mesma forma em um processo de equacionamento de déficit?

Se considerarmos apenas a reserva matemática individual, cometeremos uma grave injustiça. Por isso é importante a definição da reserva matemática individual líquida (de contribuições e benefícios passados). Suponha que a reserva matemática de cada um seja igual a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais). Ou seja, o indivíduo A apresenta reserva matemática individual líquida nula e o indivíduo B apresenta reserva matemática individual líquida no valor de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais). 

Antes de se reduzir algum direito do indivíduo A, é preciso trazer o indivíduo B até o valor de reserva matemática líquida de A. Se ainda assim persistir o déficit, cobra-se de ambos na mesma proporção até que seja atingido seu pleno equacionamento.

O método proposto é análogo para um plano de benefícios com n indivíduos, considerando participantes e assistidos. Deve-se elencar os indivíduos em ordem decrescente de valor de reserva matemática líquida. Então, aplica-se uma contribuição extraordinária ao primeiro indivíduo até que este alcance o valor de RML do segundo indivíduo. Em seguida, aplica-se uma contribuição extraordinária ao primeiro e ao segundo indivíduos até que estes alcancem o valor de RML do terceiro. Repete-se esse processo iterativo até o pleno equacionamento do déficit ou até que sejam percorridos todos os participantes e assistidos, o que acontecer primeiro. Caso os n indivíduos atinjam o mesmo nível de reserva matemática líquida e ainda assim persista o déficit, diminui-se a RML de todos de igual forma até que seja obtido seu pleno equacionamento.

 

5. O Risco Atuarial

É praticamente impossível falar de equacionamento do déficit sem mencionar o que pode ocasioná-lo: o risco atuarial. Segundo a Previc (2012), o risco atuarial pode ser decomposto nos riscos de mercado, biométrico, de liquidez, operacional, de modelagem financeira, de método atuarial e de descasamento de outras premissas atuariais. O gerenciamento do risco atuarial tem como objetivo assegurar os padrões de segurança econômico-financeira, com fins específicos de preservar a liquidez, a solvência e o equilíbrio dos planos de benefícios administrados pelas EFPCs.

Uma das premissas utilizadas na estimação da reserva matemática é a taxa de juros atuarial. A meta atuarial utilizada até 2012 – de 6% (seis por cento) ao ano – foi estipulada no passado, em um ambiente de juros elevados e altos ganhos nos mercados de renda fixa e ações. O cenário macroeconômico brasileiro mudou drasticamente nos últimos anos, provocando a publicação da Resolução MPS/CNPC nº 15/2014. Essa norma disciplina que a taxa de juros real anual a ser utilizada como taxa de desconto para apuração do valor presente dos fluxos de benefícios e contribuições de um plano de benefícios deve ser igual ao valor esperado da rentabilidade futura de seus investimentos. Passa a existir o conceito de taxa de juros parâmetro, definida como o ponto da estrutura a termo da taxa de juros média[2] mais próximo da duração do passivo[3] do respectivo plano de benefícios. A EFPC deve adotar taxa de juros real anual limitada ao intervalo compreendido entre 70% (setenta por cento) da taxa de juros parâmetro e 0,4% (quatro décimos por cento) ao ano acima da taxa de juros parâmetro.

Vale destacar a importância da duração do passivo no cálculo da taxa de juros atuarial. As carteiras de renda fixa das EFPCs não possuem – e nem devem possuir – apenas títulos de longo prazo com características de juros pré-fixados – como as NTN-B com vencimento em 2050 – pois a concentração exagerada nesses papeis tende a aumentar de forma desproporcional o risco de mercado[4] dessas carteiras. Vale destacar que fundos maduros, em que os gastos com benefícios superam a arrecadação de contribuições, tendem a apresentar menor duração do passivo quando comparados a fundos jovens. Nos fundos de menor duração do passivo, a gestão do ativo possui uma maior limitação em termos de risco e prazo de maturação dos investimentos, o que tende a diminuir a duração do ativo[5]e limitar sua rentabilidade.

Outra importante premissa utilizada nas projeções atuariais é a tábua biométrica. Segundo Ramirez, Beltrão, Pinheiro, Oliveira e Frischtak (2012), as seguradoras operantes no Brasil utilizavam, para precificar os seguros de vida e seus planos de previdência, a série de tábuas Annuity Table (AT) e outras similares, que são referenciadas na expectativa de vida dos norte-americanos. Dessa forma, Ramirez et al (2012) apresentam a tábua biométrica BR-EMS/2006 e suas variantes, atendendo ao desejo da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (FenaPrevi) de construir tábuas de vida para o mercado segurador brasileiro. Sem perda de generalidade, essas tábuas podem ser utilizadas na estimação do passivo atuarial das EFPCs no lugar das tábuas do tipo AT mencionadas – com a possibilidade de se realizar ainda algum tipo de suavização, dependendo das características da população do plano de previdência em questão.

O crescimento real dos salários é outra importante premissa utilizada nas projeções atuariais. De uma forma geral, deve-se garantir que os ganhos reais observados na realidade estejam previstos no custeio – incluídos possíveis ganhos reais de assistidos quando existirem.

Na maioria das vezes, o déficit em um plano de previdência do tipo benefício definido surge quando alguma premissa atuarial se revela incoerente com a realidade; por exemplo, quando a gestão de investimentos não consegue atingir a meta atuarial. Nesse caso, o passivo atuarial é corrigido pela taxa de juros atuarial e o ativo não aumenta na mesma proporção, fazendo cair o resultado técnico.

Uma forma bastante interessante de se evitar novos e recorrentes processos de equacionamento do déficit diz respeito à constituição de reservas de contingência, que representam um verdadeiro buffer de conservação de capital contra eventuais perdas futuras e incertas. Para isso, é necessário estimar o resultado técnico com premissas mais conservadoras, conforme disciplina a Resolução MPS/CGPC nº 26/2008. Caso o plano de benefícios apresente superávit com tais premissas, é constituída reserva de contingência até o limite de 25% (vinte e cinco por cento) das reservas matemáticas.

 

6. Conclusão

Tendo em vista as mudanças observadas na economia brasileira nos últimos anos, sobretudo em relação a taxa de juros e expectativa de vida, é necessário que os gestores de fundos de pensão estejam cada vez mais atentos e respondam de forma rápida e precisa a potenciais surgimentos de déficit em seus planos. O duradouro equacionamento de déficit pode ser alcançado através da constituição de reserva de contingência , instrumento capaz de amortecer futuras oscilações de ativo e passivo que diminuam o resultado técnico.

Em linhas gerais, o CNPC disciplina que o superávit seja destinado a quem o acumula e o déficit, de forma análoga, seja equacionado por quem o provoca. Tais mudanças fazem parte de um contexto em que podem coexistir indivíduos em condições muito distintas dentro de um mesmo plano.

O processo de equacionamento do déficit por reserva matemática individual é, antes de tudo, uma forma de individualizar ao máximo tal equacionamento. O instrumento perfeito a ser usado pelas EFPCs para processos de equacionamento do déficit passa a ser a revisão da contribuição extraordinária de participantes e assistidos, e não mais a revisão da contribuição normal como era feito no passado. A revisão da contribuição extraordinária no lugar da contribuição normal permite que o equacionamento de déficit seja individualizado e não mais coletivizado. Tal individualização não apresenta qualquer inconsistência com as características de mutualismo e solidariedade. A responsabilidade pelo déficit continua sendo coletiva, tendo mudado apenas seu ponderador, que passa a considerar, necessariamente, a reserva matemática individual ou o benefício efetivo ou projetado, como preconiza a Resolução MPS/CNPC Nº 14/2014.

A principal contribuição do presente trabalho reside na definição de uma nova variável relacionada à proporção contributiva do equacionamento do déficit: a reserva matemática individual líquida de contribuições e benefícios passados individuais. Essa variável permite que todo o histórico de contribuições e benefícios seja levado em consideração no processo de equacionamento, e não apenas valores futuros de benefícios e contribuições, como define a reserva matemática individual.

 



[1] Rodrigues e Corrêa (2014) apresentam estudo detalhado sobre outros aspectos da Resolução MPS/CNPC Nº 14/2014 não citados no presente trabalho, que contemplam: a necessidade de aprovação do plano de equacionamento de déficits; a caracterização das contribuições como “vigentes”, independente de estarem sendo efetivamente “vertidas”; o estabelecimento de critério de repartição de custos para participantes ativos e assistidos; a temporalidade da aplicação do plano de equacionamento a partir do exercício subsequente ao de sua aprovação; regra especial para os resultados apurados no exercício de 2013, majorando de 10% para 15% o limite máximo de déficit para a elaboração compulsória do plano de equacionamento.

[2] De acordo com a Resolução MPS/CNPC nº 15/2014, a estrutura a termo da taxa de juros média é definida como a média de três anos das estruturas a termo de taxa de juros diárias baseadas nos títulos públicos federais indexados ao Índice de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA).

[3] Segundo a Resolução MPS/CNPC nº 15/2014, a duração do passivo é definida como a média ponderada dos prazos dos fluxos de pagamentos de benefícios de cada plano, líquidos de contribuições incidentes sobre esses benefícios.

[4] Jorion (2007) define risco de mercado como a probabilidade de ocorrência de perdas devido a movimentos de nível ou volatilidade de preços de mercado. Previc (2012) disciplina que o risco de mercado caracteriza-se por movimentos não previstos da taxa de juros e pela variação dos preços dos ativos, que podem afetar o desempenho econômico-financeiro dos planos de benefícios.

[5] De forma análoga à duração do passivo, a duração do ativo é definida como o prazo médio de maturação dos investimentos.

 

REFERÊNCIAS

JORION, P.. Value at Risk: The new Benchmark for Managing Financial Risk. Third Edition. McGraw-Hill, 2007.

LIMA, J. C. C. O. e RODRIGUES, J. A.. Amortização de déficits atuariais em planos de benefícios definidos. Revista do BNDES Nº 41, p. 209-256. 2014.

MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL (MPS). Secretaria de Políticas de Previdência Complementar – SPPC. Dicionário de Termos e Conceitos mais usados no Regime de Previdência Complementar. 1ª edição. 2011. Disponível no endereço eletrônico http://www.previdencia.gov.br/arquivos/office/3_111006-094552-172.pdf.

MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL (MPS). Sítio Oficial do Ministério da Previdência Social. Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC). 2014. Disponível no endereço eletrônico http://www.previdencia.gov.br/a-previdencia/orgaos-colegiados/conselho-nacional-de-previdencia-complementar-cnpc/

RAMIREZ, M. R. , BELTRÃO, K. I., PINHEIRO, S. S., OLIVEIRA, M. e FRISCHTAK, R. M... Tábuas Biométricas de mortalidade e sobrevivência – Experiência do Mercado Segurador Brasileiro - 2010. Escola Nacional de Seguros FUNENSEG. 1ª edição. 2012.

RODRIGUES, F.M. e CORRÊA, A. N.. Equacionamento de déficits de planos de benefícios operados pelas EFPC: alguns comentários sobre as alterações e tabela comparativa. Bocater, Camargo, Costa e Silva Advogados. 2014. Acesso em http://www.bocater.com.br/wp-content/uploads/2014/07/Nletter-BCCS-n.-60.pdf

SUPERINTENDÊNCIA NACIONAL DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR (PREVIC). Melhores Práticas Atuariais para Entidades Fechadas de Previdência Complementar. 2012.