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EFEITOS DA APOSENTADORIA ESPECIAL NO CONTRATO DE TRABALHO

 

Diego Roda Reis
Bacharel em Direito pela PUC-SP. Advogado
 
Túlio de Oliveira Massoni
Doutor em Direito do Trabalho pela USP. Professor da UNIFESP. Advogado.

 Artigo recebido em 5/2/2015 - Aprovado em 12/2/2015

RESUMO: Muito se discute no campo da doutrina e jurisprudência sobre os efeitos da aposentadoria no contrato de trabalho. O debate se acirra quando se analisa a aposentadoria especial, em razão das peculiaridades desse benefício previdenciário. Há correntes que defendem a extinção do contrato quando da sua concessão, mas também há quem entenda que não há qualquer impedimento para a manutenção do vínculo empregatício. A jurisprudência demorou para pacificar o assunto, ora adotando a primeira corrente, ora a segunda, o que se refletiu em insegurança jurídica para os sujeitos da relação de emprego. É o que pretendemos discutir no presente estudo.

PALAVRAS-CHAVE: Contrato de Trabalho – Aposentadoria Especial – Natureza Jurídica – Segurança Jurídica.

ABSTRACT: Much has been discussed by the jurisprudence and in courts precedents regarding the effects of the retirement in the employment contract. The discussion is even more heated regarding the special retirement, due to the special features of this social security benefit. According to some legal scholars, the employment contract will be ended by the concession of the benefit, however some understand that there is no legal impediment to upkeep the employment relationship. Former court precedents were not well settled until now, which has reflected in legal insecurity to all employees subjected to this legislation. That is what we intend to clarify though this study. 

KEYWORDS: Employment contract – Special retirement – Legal nature – Legal certainty.

 

1. Conceito e natureza jurídica da aposentadoria especial

Dispõe o art. 57 da Lei nº 8.213/91 que a aposentadoria especial é devida ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais prejudiciais à saúde ou integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei.

Corrente superada da doutrina entendia que a aposentadoria especial seria uma espécie de aposentadoria por invalidez antecipada, uma vez que proporciona a aposentação antes de o segurado ser efetivamente incapacitado. Para essa corrente, a aposentadoria especial não seria causa de extinção do contrato de trabalho, uma vez que o art. 475 da CLT é claro ao dispor que o contrato fica suspenso durante o período de invalidez. Nesse caso, não seria devida qualquer verba rescisória ao empregado por ocasião da concessão do benefício. Somente se cancelada a aposentadoria, o empregador, em optando por não reintegrar o funcionário, teria que indenizá-lo na forma de dispensa imotivada.

Contudo, esse entendimento não foi absorvido pela doutrina, tampouco encontrou acolhida na jurisprudência, uma vez que a aposentadoria especial seria um benefício fundado no tempo de serviço, em razão das suas peculiaridades. Wladimir Novaes Martinez comenta que “trata-se de benefício baseado também no tempo de serviço, mas tal se refere à atividade profissional exercida em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física[1].

Outra corrente, encampada por Fábio Zambitte Ibrahim, defende que a aposentadoria especial é uma nova espécie de aposentadoria, em razão das especificidades deste benefício, não guardando relação com as demais modalidades de aposentadoria.[2].

Nesse caso, a aposentadoria especial seria uma modalidade que extinguiria o contrato de trabalho, na medida em que a própria legislação proíbe o empregado de retornar ao trabalho em atividades nocivas, forçando a rescisão contratual, caso opte pela percepção do benefício e não seja readequado em outra função.

Outra corrente entende que a aposentadoria especial é uma espécie do gênero aposentadoria por tempo de contribuição, com redução do tempo necessário à inativação e qualificada em razão da nocividade da atividade desenvolvida. Nesse sentido, Carlos Alberto Pereira de Castro, João Batista Lazzari[3] e Wladimir Novaes Martinez.

A divergência quanto à natureza jurídica da aposentadoria especial é evidente. Ocorre que a ausência de um enquadramento jurídico preciso do benefício fomentou conflitos na jurisprudência dos tribunais regionais trabalhistas e do Tribunal Superior do Trabalho (TST), gerando insegurança jurídica aos trabalhadores e empregadores, conforme será demonstrado a seguir.

 

2. O conflito entre a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho e a dos Tribunais Regionais do Trabalho

O C. Tribunal Superior do Trabalho demorou para pacificar a matéria e oscilou em sua interpretação sobre a questão, ora entendendo ser a aposentadoria hipótese de extinção do contrato de trabalho, ora se posicionando contrário a essa interpretação.

A fim de pacificar a discussão, o TST adotou primeiramente o entendimento de que a aposentadoria espontânea extinguia o contrato de trabalho, sendo indevida a multa de 40% do FGTS. (antiga OJ SDI-1 177, TST).

O Supremo Tribunal Federal, contudo, julgou procedente a ADI nº 1.721-3/DF e 1.770-4/DF para declarar a inconstitucionalidade do § 2º do art. 453 da CLT, que dispunha que o ato de concessão de benefício de aposentadoria a empregado que não tiver completado 35 (trinta e cinco) anos de serviço, se homem, ou trinta, se mulher, importa em extinção do vínculo empregatício.

Diante do entendimento adotado pela Suprema Corte, houve por bem o TribunalPleno do TST cancelar a Orientação Jurisprudencial 177 da SBDI-1, oportunidade em que passou a adotar novo posicionamento, sintetizado na Orientação Jurisprudencial nº 361, SDI-1:

OJ n. 361, sdi-1. APOSENTADORIA ESPONTÂNEA. UNICIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO. MULTA DE 40% DO FGTS SOBRE TODO O PERÍODO  (DJ20, 21 e 23.05.2008)

A aposentadoria espontânea não é causa de extinção do contrato de trabalho se o empregado permanece prestando serviços ao empregador após a jubilação. Assim, por ocasião da sua dispensa imotivada, o empregado tem direito à multa de 40% do FGTS sobre a totalidade dos depósitos efetuados no curso do pacto laboral.

Ocorre que o novo entendimento adotado pelo C. TST não deixou claro se deveria ser aplicado a qualquer modalidade de aposentadoria ou se restrito a uma determinada espécie. Ou seja, ainda não era claro, no TST, se a aposentadoria especial constituiria uma variante de aposentadoria por tempo de contribuição, hipótese em que o entendimento consolidado na OJ nº 361 certamente a ela se aplicaria, uma vez que ambas se qualificariam como aposentadoria espontânea.

Por outro lado, entendendo que a aposentadoria especial seria uma espécie sui generis, para o referido entendimento ser aplicável, necessariamente deveria haver um consenso de que é uma modalidade de aposentadoria espontânea, o que não se verifica. Daí decorre a importância da discussão sobre a natureza jurídica da aposentadoria especial.

A partir de um mapeamento histórico da jurisprudência, verifica-se que o C. TST se furtou a esse debate por muito tempo, tendo apenas firmado o entendimento de que a OJ nº 361 também seria aplicável à aposentadoria especial pelo fato de o verbete ser genérico e não excluir qualquer modalidade de sua aplicação. Ou seja, se não há qualquer ressalva, deveria ser aplicado também à aposentadoria especial. Ilustramos esse entendimento a partir no seguinte julgado, recentemente analisado pela Corte:

“APOSENTADORIA ESPONTÂNEA ESPECIAL. NÃO EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. MULTA DE 40% SOBRE OS DEPÓSITOS DE FGTS. INCIDÊNCIA DA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº 361 DA SBDI-1 DO TST. Conforme entendimento cristalizado na Orientação Jurisprudencial nº 361 do TST, "a aposentadoria espontânea não é causa de extinção do contrato de trabalho se o empregado permanece prestando serviços ao empregador após a jubilação. Assim, por ocasião da sua dispensa imotivada, o empregado tem direito à multa de 40% do FGTS sobre a totalidade dos depósitos efetuados no curso do pacto laboral". Esclareça-se que o fato de se tratar de aposentadoria espontânea especial não afasta a aplicação da Orientação Jurisprudencial nº 361 da SBDI-1 do TST, já que não há, na referida orientação jurisprudencial, nenhuma ressalva quanto a essa peculiaridade, razão pela qual seu entendimento deve ser aplicado a todas as modalidades de aposentadoria voluntária. Ressalta-se que o aposentado, nessas condições, tem direito a continuar trabalhando em outra atividade salubre. Com efeito, não se podem interpretar os artigos 46 e 57 da Lei nº 8.213/91 como determinantes da automática rescisão do contrato de trabalho do empregado que permaneça laborando nas mesmas condições insalubres após a aposentadoria espontânea, até mesmo porque esses dispositivos nem sequer tratam de direitos trabalhistas. Caso o empregado aposentado voluntariamente pelo exercício de atividades insalubridades permaneça prestando serviços ao seu empregador nas mesmas condições, conforme a lei previdenciária, haverá o cancelamento do benefício, mas não é possível extrair dos artigos 46 e 57 da Lei nº 8.213/91 interpretação de que o contrato de trabalho será rescindido automaticamente. Na hipótese, como a aposentadoria espontânea especial não extingue o contrato de trabalho, caberia ao empregador designar uma atividade salubre à reclamante ou dispensá-la sem justa causa. Assim, tendo em vista a unicidade do contrato de trabalho, com todas as suas consequências, afastada a tese da sua extinção pela aposentadoria espontânea, a autora faz jus não só ao pagamento da diferença da multa de 40% dos depósitos do FGTS relativos ao período laborado até a data de sua aposentadoria como também às demais verbas rescisórias inerentes à dispensa sem justa causa. Recurso de revista conhecido e provido”.

(TST - RR: 20616-84.2012.5.20.0004, Relator: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 15/04/2015, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 24/04/2015).

O TST considerava, com isso, que a aposentadoria especial equivaleria à aposentadoria espontânea e, portanto, não seria causa de extinção do contrato de trabalho, dando ensejo ao pagamento, ao empregado, das verbas rescisórias típicas da dispensa imotivada.

Pensávamos, contudo, que o entendimento adotado pelo TST fora concebido para se aplicar somente à hipótese da aposentadoria por tempo de contribuição, uma vez que, apesar da sua semelhança com a aposentadoria especial, com ela não se confunde. São benefícios diversos e com diretrizes particulares. Inclusive, tivemos a oportunidade de manifestar esse posicionamento em comentário publicado na Revista de Direito do Trabalho (RDT)[4].

Sendo aplicado à aposentadoria por tempo de contribuição, o entendimento consubstanciado na OJ nº 361 está em perfeita harmonia com os princípios que regem o sistema protetivo. Ora, se o empregado não possui qualquer impedimento psicofísico ou legal que o proíba de executar suas funções na empresa, não há razão de o empregador automaticamente considerar rescindido o seu contrato de trabalho, até porque o vínculo trabalhista é concebido para perdurar no tempo.

Ocorre que a principal diferença entre a aposentadoria por tempo de contribuição e a especial é que esta última impede o exercício de qualquer atividade especial (nociva à saúde ou à integridade física) a partir do recebimento do seu primeiro pagamento (art. 46 e 57, § 8º, da Lei 8.213/91 c/c art. 181-B, parágrafo único, I, Decreto 3.048/1999), não havendo tal restrição para o gozo da aposentadoria por tempo de contribuição.

Diante do peculiar regramento legal dado à aposentadoria especial, aplicar o entendimento previsto na OJ nº 361 também a essa modalidade obrigaria o empregador a tomar uma das seguintes medidas: realocar o empregado a uma função compatível com a sua capacidade técnica, mas que não prejudique a sua saúde ou integridade física; manter-se inerte diante do acúmulo do benefício com a atividade especial ou; comunicar o INSS de eventual cumulação irregular do benefício com a execução de atividade insalubre.

Primeiramente, a norma previdenciária não obriga o empregador a realocar o funcionário que pretende permanecer trabalhando após a concessão da aposentadoria especial, uma vez que os artigos 57, § 8º e 46 da Lei 8213/91 apenas vedam o exercício em atividades nocivas à saúde e à integridade física, podendo executar outras funções. Não há qualquer mandamento legal que torne a readequação uma obrigação patronal.

Paralelamente, é comum que a readequação funcional não seja possível, seja pela ausência de vagas disponíveis em outros setores, seja pela inexperiência do funcionário para atuar em outra atividade.

Por outro lado, manter-se inerte diante da cumulação do benefício com a atividade insalubre pelo empregado seria uma atitude de má-fé e ilegal do empregador com a autarquia e com o próprio empregado, uma vez que o INSS estaria financiando benefício irregular e o trabalhador poderia ser surpreendido com a cassação do benefício.

Além disso, apesar de não haver punição ao empregador que imponha a execução de atividade prejudicial à saúde ou integridade física do trabalhador em gozo da aposentadoria especial, caso o funcionário adoeça ou se acidente em razão do seu labor, certamente o empregador será responsabilizado no âmbito trabalhista e o fato de ter permitido a cumulação do benefício com a execução de trabalho especial será um dos argumentos que motivarão a sua condenação.

Sem prejuízo do rombo nas contas da Previdência Social que tal conduta poderia causar, caso adotada pelo empregador, também poderia haver reflexos no âmbito criminal, tipificando estelionato o ato de fraudar entidade de direito público, conforme prevê o art. 171, § 3º, do Código Penal.

Em resumo, manter o trabalhador em gozo de aposentadoria especial executando as mesmas atividades especiais de antes, mesmo diante da impossibilidade de readequação, não é uma “opção” ao empregador, em razão dos evidentes prejuízos sociais e econômicos que essa conduta poderia gerar.

Por outro lado, se a conduta do empregador de se manter silente diante da cumulação do benefício pode futuramente causar danos a toda coletividade, a atitude de noticiar o órgão previdenciário eventual irregularidade ou solicitar ao funcionário que opte pelo benefício ou pela manutenção do contrato de trabalho não é bem aceita pela jurisprudência trabalhista, pois se entende que o empregador estaria forçando o trabalhador a se demitir indiretamente, o que configura hipótese de rescisão indireta do contrato de trabalho, sem prejuízo de reparação por danos morais. Vejamos:

“ [...]II - RECURSO DE REVISTA 1 - APOSENTADORIA ESPECIAL . EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. DISPENSA IMOTIVADA. MULTA DE 40% DO FGTS. A aposentadoria especial não impede a continuidade do contrato de trabalho do empregado, mas apenas que ele continue trabalhando em condição prejudicial à saúde, caso permaneça prestando serviços ao empregador. Nessas condições, o disposto nos arts. 46 e 57, § 8.º, da Lei n.º 8.213/91 não é causa de extinção do contrato de trabalho, salvo se o empregado, aposentado na modalidade especial, continue no exercício de atividade ou operação que o sujeite aos agentes nocivos. Na hipótese, o reclamante obteve a concessão da aposentadoria especial a partir de 18/9/2007, conforme decisão proferida pela Justiça Federal, tendo sido desligado do trabalho em 1/12/2009, motivado pela comunicação da reclamada informando a vedação legal de acumulação entre o vínculo empregatício e o benefício previdenciário. Nesse contexto, a reclamada ao solicitar a manifestação do empregado para optar pela manutenção do emprego ou do benefício previdenciário, revela que a iniciativa de por termo ao contrato de trabalho partiu da empresa. Portanto, não sendo a concessão da aposentadoria especial causa justificadora, por si só, da extinção do contrato de trabalho, e se a iniciativa da ruptura do vínculo foi do empregador, o mesmo deve arcar com o pagamento da multa de 40% do FGTS. Recurso de revista conhecido e provido”. [...].

Recurso de Revista não conhecido. (TST, 878620115120041 87-86.2011.5.12.0041, Relatora: Delaíde Miranda Arantes, Data de Julgamento: 26/06/2013, 7ª Turma).

Outro argumento utilizado pelos que defendem a aplicação da OJ nº 361 indistintamente a todas as modalidades de aposentadoria espontânea é que a relação previdenciária é diversa da trabalhista, como se as disciplinas jurídicas fossem completamente desvinculadas. Tal argumento só pode ser visto como uma forma de se furtar ao debate, uma vez que, apesar da autonomia científica das disciplinas, é evidente que o regramento conferido pela legislação previdenciária traz implicações na seara trabalhista.

Os artigos 57, § 8º e 46 da Lei 8213/91 vedam o exercício em atividades nocivas à saúde e à integridade física pelo trabalhador que esteja em gozo de aposentadoria especial. Diante da impossibilidade de sua realocação, a consequência lógica é a extinção do contrato de trabalho, diferentemente da aposentadoria por tempo de contribuição, cuja lei que a regulamenta não veda o exercício das funções anteriormente exercidas pelo segurado.

Em outras palavras, se a jurisprudência trabalhista hoje é pacífica ao entender que a obtenção da aposentadoria por tempo de contribuição não impede a manutenção do contrato de trabalho é também porque a legislação previdenciária não possui qualquer vedação nesse sentido, ao contrário da regulamentação conferida à aposentadoria especial. As disciplinas, portanto, tem íntimo relacionamento entre si, de modo que a relação jurídica previdenciária produz efeitos na relação de emprego.

Em que pese o TST ter demorado para enfrentar o impasse em torno da matéria, percebe-se que já havia certa relutância por parte dos tribunais regionais em aderir ao entendimento consolidado na OJ nº 362, da SDI-1, uma vez ser crescente o número de julgados proferidos que consideram a percepção da aposentadoria especial hipótese de extinção do contrato de trabalho, em razão das peculiaridades acima destacadas.

Entende-se que uma vez requerido e deferido o benefício da aposentadoria especial, caberia ao trabalhador segurado a escolha entre permanecer trabalhando, com a suspensão automática do benefício previdenciário, ou requerer seu desligamento, caso não haja possibilidade de reenquadramento de função.

Inclusive, o Tribunal Regional Federal da 4ª região já havia se pronunciado no sentido de ser a aposentadoria especial uma regra que não possui caráter de proteção ao trabalhador, pois a norma não veda o exercício de atividade em condição especial, mas sim o pagamento da aposentadoria caso o segurado opte pelo labor especial., como atesta a decisão abaixo:

“[...] a restrição à continuidade do desempenho da atividade por parte do trabalhador que obtém aposentadoria especial, cerceia, sem que haja autorização constitucional para tanto (pois a constituição somente permite restrição relacionada à qualificação profissional), o desempenho de atividade profissional, e veda o acesso à previdência social ao segurado que implementou os requisitos estabelecidos na legislação de regência. A regra em questão não possui caráter protetivo, pois não veda o trabalho especial, ou mesmo sua continuidade, impedindo apenas o pagamento da aposentadoria. Nada obsta que o segurado permaneça trabalhando em atividades que impliquem exposição a agentes nocivos, sem requerer a aposentadoria especial; ou que aguarde para se aposentar por tempo de contribuição, a fim de poder cumular o benefício com a remuneração da atividade, caso mantenha o vínculo; como nada impede que se aposentando sem a consideração do tempo especial, peça, quando do afastamento definitivo do trabalho, a conversão da aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial. A regra, portanto, não tem por escopo a proteção do trabalhador, ostentando mero caráter fiscal e cerceando de forma indevida o desempenho de atividade profissional”. (Arguição de Inconstitucionalidade nº 5001401-77.2012.404.0000, Corte Especial, Rel. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle, Sessão de 24.05.2012).[5]

Desse modo, uma vez manifestado o interesse do segurado em se aposentar, não poderia retornar ao trabalho ou permanecer trabalhando nas mesmas funções insalubres. E se o segurado optou pela percepção do benefício, por certo que também manifestou o seu desejo de encerrar o contrato de trabalho, uma vez que a norma previdenciária não impõe ao empregador a obrigação de realocar o segurado em outra função, sendo indevido o pagamento de verbas rescisórias. Reproduzimos os seguintes julgados que ilustram essa divergência:

“APOSENTADORIA ESPECIAL. RESCISÃO CONTRATUAL. POSSIBILIDADE LEGAL. Como a aposentadoria especial só é devida ao segurado que tiver trabalhado em condições nocivas a sua vida e integridade física, o escopo da lei foi estabelecer um limite temporal para a prestação deste tipo de trabalho, a fim de minimizar os seus efeitos. Tanto é assim, que se voltar a mesma atividade terá sua aposentadoria automaticamente cancelada, a partir da data do retorno, de sorte que a resilição contratual por tal motivo não se afigura arbitrária por decorrer de imperativo legal. Inteligência do disposto nos artigos 46 e 57 da Lei 8.213/91” (TRT-15, Processo nº 0001088-18.2012.5.15.0032, 1ª Turma, Relator: TEREZA APARECIDA ASTA GEMIGNANI, Data de Publicação: 09.08.2013).

“APOSENTADORIA ESPECIAL. MODALIDADE DE ROMPIMENTO CONTRATUAL. A aposentadoria especial, prevista no art. 57 da Lei n. 8.213/1991, acarreta a possibilidade de extinção do contrato de trabalho, uma vez que a legislação previdenciária impõe o afastamento do aposentado especial da atividade danosa, a fim de que não perca o benefício (art. 57, parágrafo 8º, Lei 8.213/91). O mesmo não ocorre com a aposentadoria comum em que o trabalhador pode continuar prestando serviço em qualquer atividade, inclusive a especial. Esse entendimento prevalece mesmo diante da decisão do Excelso Supremo Tribunal Federal que declarou a inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º do art. 453 da CLT, uma vez que a obtenção da aposentadoria especial não se configura hipótese de dispensa arbitrária ou sem justa causa de que trata a r. decisão do Excelso STF”. (TRT-23 - RO: 632201000923005 MT 00632.2010.009.23.00-5, Relator: DESEMBARGADOR TARCÍSIO VALENTE, Data de Julgamento: 15/02/2011, 1ª Turma, Data de Publicação: 16/02/2011).

“APOSENTADORIA ESPECIAL – EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO – PERTINÊNCIA. Em se tratando de trabalhador com aposentadoria especial de que cogita o art. 57 da Lei 8.213/91, porque equiparada à aposentadoria por invalidez (Lei 8.213/91, artigos 57, § 8º e art. 46), inviável a sua permanência no emprego, trabalhando na mesma função, porque a contagem privilegiada do tempo serviço, em razão da  insalubridade e/ou periculosidade, tem por fundamento afasta-la do meio ambiente de trabalho. Em caso de permanecer trabalhando, o empregador é obrigado a comunicar à Previdência Social, para suspensão do benefício (I.N. INSS n.49, de 3 de maio de 2001, “Art. 36). Inexistência de ofensa  ao § 2º do art. 102 da CF/88.Recurso Conhecido e provido.” (TRT-15 - RO: 21178 SP 021178/2011, Relator: JOSÉ ANTONIO PANCOTTI, Data de Publicação: 15/04/2011).

“EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. APOSENTADORIA ESPECIAL. JUBILAMENTO COM DATA RETROATIVA AO REQUERIMENTO. CONTINUIDADE DO TRABALHO NO PERÍODO DO AGUARDO DO DEFERIMENTO DA APOSENTADORIA PELO ÓRGÃO PREVIDENCIÁRIO. MULTA DE 40% DO FGTS INDEVIDA. 1. Regra geral, a aposentadoria espontânea não extingue o contrato de trabalho. Em que pese a aposentadoria,se o trabalhador continuar trabalhando, sem se desligar da empresa, o contrato de trabalho continua vigente,sendo devidas as verbas rescisórias e a multa de 40%do FGTS por ocasião da rescisão contratual. 2. Todavia,a aposentadoria extingue o contrato de trabalho em duas hipóteses: (i) na aposentadoria especial, na medida em que a Lei9032/95 vedou ao segurado aposentado retornar ao trabalho em atividades insalubres e perigosas. O aposentado especial que voluntariamente retornar a atividade ou operação, que o sujeite aos agentes nocivos químicos, físicos,ou biológicos ou associação de agentes prejudiciais à sua saúde ou integridade física, terá a sua aposentadoria automaticamente cancelada (parágrafo 8º, art. 57, Lei 8213/91); (ii) aposentadoria por idade compulsória, uma vez que o artigo 51, da Lei 8213/91, fixa como data de rescisão a imediatamente anterior à do início da aposentadoria. 3. Na hipótese, a aposentadoria do reclamante foi justamente a do tipo especial. Portanto, houve cessação do contrato de emprego por tal motivo. Indevida a multa de 40% sobre o FGTS, aviso prévio e projeções.” (TRT 2ª Região - RO 386200525402000 SP 00386-2005-254-02-00-0 – Rel. Des. IVANI CONTINI BRAMANTE – 6ª Turma – DOE 22/06/2007).

Ilustra-se o debate em torno da matéria com o seguinte julgado, proferido nos autos do processo nº 0002419-02.2013.5.05.0251, publicado no Diário Oficial em 18/03/2015. A decisão enfrenta a discussão sobre a aplicação da OJ nº 361 à aposentadoria especial. Destacamos os seguintes trechos:

“[...] tenho que a ocorrência por si só da aposentadoria espontânea do trabalhador não determina a extinção automática do seu contrato de trabalho.

Os únicos casos em que se pode contemplar a extinção do contrato de trabalho em decorrência da aposentação se referem à aposentadoria compulsória requerida pela empresa (art.51da Lei8.213/91) e à aposentadoria especial (art. 57). Nessas hipóteses, a aposentadoria detém relação axiológica com a necessidade de afastamento do serviço por motivos de interesse social, relacionados com a proteção ao idoso e ao trabalhador em condições prejudiciais à saúde e à integridade física. O mesmo não ocorre no caso geral da aposentadoria espontânea.

Observe-se, inclusive, que, quando da apreciação da ADI 1721/DF, em 11.10.2006, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, julgou procedente pedido formulado de declaração de inconstitucionalidade doparágrafo 2ºdo art.453daCLT, que previa que a concessão do benefício de aposentadoria implicava em extinção do vínculo empregatício. Em consequência, o Tribunal Superior do Trabalho, em 25.10.2006, deliberou, por unanimidade, no sentido de cancelar a Orientação Jurisprudencial 177, da Subseção I, Especializada em Dissídios Individuais, passando a adotar o entendimento do Supremo Tribunal Federal.[...][6]”.

Diante da divergência jurisprudencial e doutrinária a respeito da natureza jurídica da aposentadoria especial e dos reflexos surgidos no contrato de trabalho a partir da sua concessão, o TST se viu obrigado a enfrentar o impasse, pacificando a matéria.

 

3. A pacificação da divergência pelo TST

Recentemente, a Subseção de Dissídios Individuais enfrentou o tema e pacificou a jurisprudência trabalhista através do julgamento de Embargos (Processo nº 87-86.2011.5.12.0041), de lavra no Exmo. Min. João Orestes Dalazen, que absolveu a empresa do pagamento da multa de 40% do FGTS a trabalhador que continuou trabalhando após a sua aposentadoria especial por exceção de barulho no serviço.

Na decisão proferida, adotaram-se muitos dos argumentos e fundamentos ora expostos. Em consonância com a jurisprudência majoritária dos tribunais regionais, entendeu a SBDI-1 que a aposentadoria especial é um benefício sui generis, não se confundindo com a aposentadoria por tempo de contribuição, de modo ser inaplicável o entendimento previsto na OJ nº 361 neste caso específico. Vejamos:

“EMBARGOS. EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. APOSENTADORIA ESPECIAL. ARTIGO 57 DA LEI Nº 8.213/1991. MAQUINISTA. CONTATO COM RUÍDO. EFEITOS. MULTA DE 40% DO FGTS. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº 361 DA SBDI-1 DO TST. 1. Consolidou-se o entendimento, no âmbito do TST, de que o empregado que se aposenta voluntariamente e continua prestando serviços ao empregador, em caso de ulterior dispensa imotivada faz jus ao pagamento da multa de 40% sobre todos os depósitos do FGTS, inclusive em relação ao período posterior à concessão Da aposentadoria (Orientação Jurisprudencial nº 361 da SbDI-1).

2. A aposentadoria especial prevista nas normas dos artigos 201, § 1º, da Constituição Federal e 57 e seguintes da Lei nº 8.213/1991 constitui benefício sui generis, que o distingue dos demais benefícios previdenciários.

3. A Lei Previdenciária, por razões óbvias relacionadas à preservação da integridade do empregado, categoricamente veda a permanência no emprego após a concessão da aposentadoria especial, ao menos na função que ensejou a condição de risco à saúde, sob pena de automático cancelamento do benefício (arts. 46 e 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91).

4. Contraria a Orientação Jurisprudencial nº 361 da SbDI-1 do TST, por má aplicação, acórdão turmário que acolhe pedido de pagamento da multa de 40% sobre os depósitos do FGTS, relativamente a contrato de trabalho cuja resilição deu-se por iniciativa do empregado, por força da concessão de aposentadoria especial, reconhecida mediante decisão emanada da Justiça Federal, com efeitos retroativos, em face do contato, por longos anos, com agente nocivo — ruído intenso.

5. Embargos de que se conhece, por contrariedade à Orientação Jurisprudencial nº 361 da SbDI-1 do TST, em face de má aplicação, e a que se dá provimento”.

(PROCESSO Nº TST-E-ED-RR-87-86.2011.5.12.0041, Rel. Min João Orestes Dalazen, SBDI-1, DOU 05/06/2015).

A aposentadoria especial é um dos benefícios mais complexos do Regime Geral da Previdência Social e o debate em torno da sua natureza jurídica bem exemplifica a complexidade do tema. A partir da recente decisão proferida pelo TST, a questão restou pacificada, e a tendência dos tribunais regionais e juízes de 1º grau certamente será a de fortalecer o entendimento já adotado no sentido de afastar a aplicação da OJ nº 361 na hipótese especifica da aposentadoria especial.

 


[1] MARTINEZ, Wladimir Novaes, Aposentadoria Especial, 3ª edição, LTr, 2000, p. 29.

[2]IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário, 16ª edição, p. 608. Ed. Impetus.

[3] CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário, 17ª edição, Ed. Forense, p. 728.

[4] Comentário ao RR 20616-84.2012.5.20.0004, publicado na Revista de Direito do Trabalho (RDT), ano 41, nº 163, maio/junho de 2015, por Túlio de Oliveira Massoni e Diego Roda Reis, p. 225.

[5] Contra essa decisão pende julgamento pelo Supremo Tribunal Federal de Recurso Extraordinário com Repercussão Geral reconhecida.

[6] (TRT-5 - RecOrd: 0002419-02.2013.5.05.0251, Relator: ESEQUIAS DE OLIVEIRA, 5ª. TURMA, Data de Publicação: DJ 18/03/2015.)

 

 

BIBLIOGRAFIA

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MARTINEZ, Wladimir Novaes. Aposentadoria Especial, 3ª edição, LTr, 2000.

CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário, 17ª edição, Ed. Forense, p. 728.

 

Sites:

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