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 O BENEFÍCIO DO PROFESSOR NO REGIME DE PREVIDÊNCIA SOCIAL
PROFESSOR BENEFIT IN THE SYSTEM OF SOCIAL SECURITY

 

Barbara Gimenez dos Santos
Juliana Fonseca Caetano
Mariana Slonik Abrahão
Graduandos em Ciências Atuariais pela UNIFESP
Artigo em PDF

 

Artigo recebido em 10/10/2016 - Aprovado em 18/10/2016

 

RESUMO: A história previdenciária do Brasil é repleta de mudanças legislativas que levaram o processo de aposentadoria da iniciativa privada à intervenção Estatal, e nessa trajetória é inegável a diferenciação e os privilégios dos quais o professor sempre pode desfrutar. Desde 1981, com a Emenda Constitucional n. 18, essa classe de trabalhadores faz jus a uma redução de cinco anos para aposentadoria por tempo de contribuição. Contudo, uma vez que a aposentadoria do professor não se enquadra como aposentadoria especial, na qual o tempo de contribuição é reduzido em razão da perda da capacidade laboral por exposição a agentes nocivos, é questionável se o profissional do magistério realmente é merecedor de tal direito. Sendo assim, buscou-se evidenciar toda a trajetória da legislação previdenciária específica para essa área, bem como a exposição de dados que levam alguns autores a defender o referido privilégio em prol da penosidade da atividade.

 

 

PALAVRAS-CHAVE: Aposentadoria; Professor.

 

ABSTRACT: Social security history in Brazil exceeds with legislative modifications, which took the retirement process from private initiative to State intervention, and in this trajectory it is undeniable the differentiation and privileges from which professors always could relish. Since 1981, with the Constitutional Amendment n. 18, this class of workers benefits from a five year reduction at retirement for time of contribution. However, as professors’ retirement do not qualify as special retirement, in which contribution time is reduced minding loss of working capacity due exposition to noxious agents, it is questionable if these professionals are really deserving of such right. Thus being, this study sought putting in evidence the entire trajectory of social security specific legislation regarding this area, as well as exposing data which bring some authors to defend referred privilege in support of the activity’s thorniness.

 

KEYWORDS: Retirement; Professor.

 

 

Introdução

É fato a importância da figura do professor no desenvolvimento de uma nação e, assim sendo, é também inegável a necessidade da valorização da profissão magistral dentro da sociedade. Talvez de posse desse pensamento em especial, coube à classe professorada assumir o posto de primeira a dispor do benefício da aposentadoria, assinada ainda por Dom Pedro de Alcântara em 1821.

Desde então, o Brasil passou por uma sucessão de novas Leis e Decretos que tentaram e tentam até hoje ajustar a questão previdenciária ao contexto e realidade social. Ganhando força inicialmente a partir da iniciativa privada, foi somente na década de 30 que a Proteção Social no Brasil passou a ter a intervenção estatal.

Hoje, pautada principalmente na Constituição Federal de 1988, a Seguridade Social se divide em Assistência, Saúde e Previdência, e cabe situar a responsabilidade deste último quanto à aposentadoria dos trabalhadores brasileiros, dentre eles, o professor.

Dito isto, vale ressaltar a existência de peculiaridades dentro da legislação previdenciária do país, das quais se destaca o benefício de 05 anos de redução no tempo de contribuição para profissionais do magistério. Sendo assim, se faz necessária a compreensão dos fatores históricos que levaram às atuais regras para aposentadoria desse grupo de trabalhadores, bem como a discussão dos elementos que levam autores como Soares (2009) a considerarem que o referido privilégio venha da penosidade da função.

A fim de comparativo, cabe destacar que o Brasil não é o único país que beneficia seus professores com legislação diferenciada para aposentadoria. No Canadá, por exemplo, essa classe de profissionais também é privilegiada com uma distinção dos critérios exigidos para a aposentadoria.

Cabe então, a reflexão se o magistério realmente se enquadra como atividade penosa, uma vez que tantas outras profissões apresentam riscos evidentes e não fazem jus ao mesmo benefício. Estaria hoje, portanto, a aposentadoria do professor mais ligada a uma tentativa de valorização da profissão ou realmente a atividade em sala de aula traz um risco inerente à saúde física e mental do indivíduo?

 

Contextualização Histórica da Seguridade Social no Brasil

A primeira experiência do Brasil com assuntos relativos à Previdência Social data de outubro de 1821, quando o então Príncipe Regente, Dom Pedro de Alcântara, assinou um Decreto concedendo aposentadoria aos mestres e professores, após 30 anos de serviço, e assegurando um abono de ¼ dos ganhos aos que continuassem em atividade (OLIVEIRA, 1996).

Contudo, historicamente e devido a sua importância como estruturador de uma previdência verdadeira, considera-se o dia 24 de janeiro de 1923 como o marco inicial da Previdência no Brasil, isto porque nessa data instaurava-se no país o decreto legislativo 4.682, mais conhecido como Lei Eloy Chaves, que instituiu as Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAPs) para os ferroviários (GOES, 2014).

Em sequencia à Lei Eloy Chaves, o país vivenciou ainda o Decreto 5.109 em 1926, o Decreto 5.485 em 1928 e Decreto 19.497 em 1930, os quais estendiam os direitos daquela primeira para outros setores trabalhistas.

No entanto, até a década de 30, a administração das CAPs ficava a cargo dos próprios empregados e foi somente a partir de meados dessa década que a administração estatal passou a se envolver, surgindo os primeiros Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), que se caracterizavam como autarquias de nível nacional, organizadas em torno de categorias profissionais.

Já ao final dos anos 50, quase a totalidade da classe trabalhadora com vínculo empregatício estava filiada a um plano de Previdência Social, ou seja, a um dos vários IAPs existentes. Ademais, em 1954 já se estabelecia uma uniformização dos princípios gerais aplicáveis a todos os IAPs com a assinatura do Decreto 35.448.

Por fim, seguindo a tendência unificadora dos IAPs, em 1º de janeiro de 1967 surge o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), estipulado em 1966 pelo Decreto-Lei 72. E em 1977, por meio da Lei 6.439, institui-se o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS), que, após anos de reestruturações, pode ser caracterizado desde 2003, com a assinatura da Lei 10.683, como Ministério da Previdência Social (MPS).    

Reafirma-se, portanto, o dito por Ibrahim (2015), o qual acredita que:

“A evolução da proteção social no Brasil seguiu a mesma lógica do plano internacional: origem privada e voluntária, formação dos primeiros planos mutualistas e a intervenção cada vez maior do Estado.”

Cabe destacar, ainda, que hoje o modelo de Seguridade Social adotado no Brasil é universal, na qual o Estado proporciona Saúde, Assistência e Previdência Social a toda a sua população, e não somente aos trabalhadores como em épocas passadas (SOARES, 2009).

 

Aposentadoria do Professor

Desde 1981, com a Emenda Constitucional 18, que altera a Constituição Federal de 1967, os professores e as professoras passaram a ser privilegiados com a redução de cinco anos no tempo de contribuição para aposentadoria, ganhando o direito de reduzir os anos de serviço para 30 e 25 anos, respectivamente.

Vale reiterar que, apesar de a nova Constituição Federal de 1988 ter mantido o privilégio dos professores, em 15 de dezembro de 1998, seu Art. 201 tem sua redação modificada pela Emenda Constitucional 20, que restringe o referido privilégio somente aos professores da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio:

Os requisitos de idade e de tempo de contribuição serão reduzidos em cinco anos, em relação ao disposto no  § 1º, III, "a", para o professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio. (BRASIL, 1998)

Dartora (2008) defende que tal modificação ocorreu uma vez que não havia qualquer referência expressa quanto à restrição da aplicação da redução do tempo de contribuição aos professores de instituição de ensino regular de formação escolar, ou seja, o direito poderia ser aplicado, inclusive, aos chamados professores autônomos, como os de música, dança ou idiomas. No entanto, cabe lembrar que a nova legislação acabou por retirar, também, o direito de aposentadoria por tempo de contribuição reduzido dos professores universitários.

Já em 2006, considerando que a escola não poderia funcionar sem atividades como administração, planejamento, inspeção, supervisão ou orientação educacional, o privilégio à redução no tempo de serviço no magistério passa a ser garantido aos professores que exercem outras atividades na escola, ou para a escola, além da docência. Isso porque, em 10 de maio de 2006, assinou-se a Lei n. 11.301, que acrescentou o §2º ao art. 67 da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, definindo as “funções do magistério”:

(...) são consideradas funções de magistério as exercidas por professores e especialistas em educação no desempenho de atividades educativas, quando exercidas em estabelecimento de educação básica em seus diversos níveis e modalidades, incluídas, além do exercício da docência, as de direção de unidade escolar e as de coordenação e assessoramento pedagógico. (BRASIL, 2006)

Neste contexto, cabe diferenciar que, apesar de possuir tempo de contribuição reduzido, a aposentadoria do professor não é denominada pela Lei 8.213/91 como aposentadoria especial (GOES, 2014).

Em seus artigos 57 e 58, a Lei 8.213/91 concede aposentadoria especial “ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos” (BRASIL, 1991).

Goes (2014) explica que para o segurado ter direito à aposentadoria especial, o mesmo tem de sofrer com exposição a agentes nocivos físicos, químicos ou biológicos de forma não ocasional e não intermitente. Completa, ainda, que cada segurado deve comprovar a efetiva exposição aos agentes nocivos por meio de formulários e laudos técnicos de avaliações ambientais, não bastando, portanto, o simples fato de pertencer a uma dada categoria.

Sendo assim, fica evidente que a função do magistério não possui amparo legal para ser caracterizada como aposentadoria especial e que, inclusive, o tempo de magistério não pode ser convertido para fins de aposentadoria comum como acontece com o tempo de atividade especial trabalhado. Pode-se dizer, portanto, que possivelmente “o fator predominante para caracterizar a especialidade do benefício aos professores, é a penosidade do exercício de todas as funções do magistério” (Soares, 2009) e não as condições prejudiciais à saúde ou à integridade física do segurado.

Neste contexto, considera-se hoje a aposentadoria do professor como uma modalidade diferenciada e privilegiada de aposentadoria por tempo de contribuição que, em contrapartida à maioria das demais situações trabalhistas do Brasil, ocorre em geral cinco anos antes. Para se aposentar com dedicação exclusiva à atividade do magistério, o tempo de contribuição deve ser de 25 anos para as professoras e 30 anos para os professores, e, quando considerada a idade, devem atingir 80 e 90 pontos, respectivamente, enquanto as demais categorias devem comprovar 30 e 35 anos de contribuição e somar 85 e 95 pontos.

 

Aposentadoria do Professor no Canadá

Para entender e comparar o sistema de aposentadoria dos professores no Brasil e no Canadá é importante conhecer o regime geral de previdência social canadense e sua forma de financiamento.

No Canadá existem dois tipos de aposentadorias denominadas públicas (Public Pensions), a Old Age Security (OAS) e a Canada Pension Plan (CPP).

A Old Age Security é o maior programa de aposentadoria do Canadá, e é financiado pelo Governo Canadense. Não é necessário ter trabalhado ou contribuído para participar.  Os critérios de elegibilidade do OAS são os seguintes:

  • Ter 65 anos ou mais;
  • Ser cidadão canadense ou residente legal no momento em que for aprovado o requerimento para o OAS e;
  • Ter residido no Canadá durante pelo menos 10 anos após completar 18 anos.

Diferentemente do OAS, o Canada Pension Plan é uma forma de aposentadoria baseada na contribuição, ou seja, é aberta a todos os trabalhadores que contribuem por meio de deduções em seus salários. O quanto uma pessoa irá receber de benefício dependerá de quanto e por quanto tempo ela contribuiu, bem como com qual idade ela pretende se aposentar.

Para se aposentar pelo CPP e receber o benefício integral é necessário ter 65 anos. Mas também é possível se aposentar com 60 anos com uma redução no benefício, ou com 70 anos e um aumento no benefício. Outros critérios de elegibilidade do CPP são:

  • Ter pelo menos 59 anos e 1 mês;
  • Ter trabalhado no Canadá e contribuído pelo menos uma vez para o CPP e;
  • Desejar que o pagamento de seu benefício comece dentro de 12 meses.

            É importante ressaltar que o regime de financiamento do CPP chamado de partial funding, ou seja, financiamento parcial, determina que as contribuições feitas pelos trabalhadores cubram uma parte de seus benefícios futuros. Esse regime é considerado uma combinação do sistema de repartição simples (pay as you go) com o sistema de financiamento total (full funding), conhecido no Brasil como regime de capitalização.

Under a partially funded scheme, contributions by workers cover a portion of their future benefits. Contributions to the scheme and any investment earnings thereon act to partially fund the scheme. The ratios of assets to liabilities (i.e. the funding ratios) of such schemes are by definition less than one. (OFFICE OF THE SUPERINTENDENT OF FINANCIAL INSTITUTIONS CANADA, 2007).

            Partindo para o contexto da aposentadoria do professor no Canadá, diferentemente do regime geral que abrange o país inteiro, existe uma divisão de poder entre as 10 províncias canadenses, onde cada uma possui autonomia para criar seus próprios sistemas de previdência para professores denominados Teacher’s Pension Plan, ou Plano de Pensão dos Professores.

 Cada província determina as regras de elegibilidade de seus respectivos planos de pensão, dessa forma, não existe um padrão de critérios. Entretanto, é possível identificar que assim como no Brasil, os professores canadenses também são beneficiados com redução na idade de sua aposentadoria se comparada com o regime geral.

Observando a Tabela 1 podemos analisar as diferentes combinações entre idades e tempos de contribuição existentes dentro de cada província e fica evidente a possibilidade de aposentadoria com 60 anos, ou seja, cinco anos a menos que o regime geral de previdência do país. Contudo cabe lembrar que no caso do professor, o tempo de contribuição se torna um fator fundamental, visto que para se tornar apto à aposentadoria com menor idade, o mesmo tem de apresentar um tempo de contribuição maior, caso contrário, a idade necessária tende a ser os mesmos 65 anos.

Tabela 1. Critérios de idade e tempo de serviço para a aposentadoria dos professores nas províncias do Canadá

 

Províncias do Canadá

Idade/tempo de serviço mínimo para aposentadoria reduzida

Idade/tempo de serviço mínimo para aposentadoria não reduzida

Ontario

50 anos

65 anos;

Fator de qualificação 85.

Quebec

55 anos de idade e 22 de serviço para homens;

50 anos de idade e 22 de serviço para mulheres;

58 anos de idade e 10 de serviço para mulheres.

65 anos para homens e 60 anos para mulheres;

62 anos de idade e 10 de serviço para homens;

55 anos de idade e 32 de serviço ou;

33 anos de serviço.

Nova Scotia

55 anos de idade e 20 de serviço com redução menor;

55 anos de idade e 10 de serviço com redução maior;

50 anos de idade e 30 de serviço;

35 anos de serviço;

60 anos de idade e 10 de serviço;

55 anos de idade e fator de qualificação 85.

New Brunswick

Fator de qualificação 84;

55 anos de idade 20 de serviço com redução menor;

55 anos de idade e menos de 20 anos de serviço com redução maior.

35 anos de serviço;

Fator de qualificação 91;

62 anos de idade e 20 de serviço;

65 anos de idade e menos de 20 de serviço.

Manitoba

55 anos de idade e menos de 10 anos de serviço.

65 anos de idade e menos de 10 de serviço;

55 anos de idade e 10 de serviço.

British Columbia

55 anos de idade e menos de 35 de serviço;

60 anos de idade e menos de 02 de serviço.

55 anos de idade e 35 de serviço;

60 anos de idade e 02 de serviço;

65 anos.

Prince Edward Island

55 anos de idade e 02 de serviço.

62 anos de idade e 02 de serviço;

55 anos de idade e 32 de serviço;

35 anos de serviço;

Saskatchewan

Não existe idade ou tempo de serviço mínimo

30 anos de serviço;

55 anos de idade e 30 de serviço;

60 anos de idade e 20 de serviço;

65 anos de idade e 01 de serviço;

Alberta

55 anos de idade e 10 de serviço.

65 anos de idade;

Fator de qualificação 85.

Newfoundland and Labrador

Não existe idade ou tempo de serviço mínimo

60 anos de idade e 05 de serviço;

55 anos de idade e 25 de serviço;

30 anos de serviço;

Fonte: autor[1]

           

            Por fim, comparando os planos de previdência de professores no Brasil e no Canadá, é possível perceber uma semelhança entre os dois países, visto que em ambos essa classe tem privilégios em relação aos demais trabalhadores. Conforme os dados apresentados na Tabela 1, os professores no Canadá têm uma maior diversidade com relação aos critérios de elegibilidade que a população canadense em geral, que deve se aposentar pelo CPP somente com 65 anos para ter direito ao benefício não reduzido. Ao passo que, no Brasil, os professores têm direito a uma redução de cinco anos no tempo de contribuição, podendo se aposentar com 25 (mulher) e 30 (homem) anos de contribuição, enquanto para o restante da população são exigidos 30/35 anos de contribuição.

 

Privilégio ou regalia?

De acordo com o Anuário Estatístico de Previdência Social (MTPS, INSS e DATAPREV, 2014), profissionais do ensino somaram 2.694 acidentes de trabalho no ano de 2014, sendo 1.651 acidentes decorrentes da característica da atividade profissional desempenhada pelo acidentado e 86 ocasionados por qualquer tipo de doença profissional peculiar a determinado ramo de atividade constante na tabela da Previdência Social.

Assim, se considerarmos que a legislação previdenciária no Brasil prevê uma modalidade de aposentadoria diferenciada, a Aposentadoria Especial, quando a atividade exercida prejudique a saúde ou a integridade física, implicando em perda mais rápida da capacidade laboral, é possível acreditar que o professor atende os critérios de elegibilidade para tal. Contudo, o direito à aposentadoria especial não está vinculado a casos de acidentes de trabalho, é necessário que o trabalhador seja exposto a algum dos agentes nocivos presentes na Norma Reguladora n. 15 da Portaria n. 3.214/78, os quais podem ser classificados em agentes físicos, químicos e biológicos, como pressões anormais, vapores de substâncias nocivas e microrganismos como bactérias.

Dentre os agentes nocivos citados por Goes (2014), na atividade exercida pelo professor, somente a exposição a ruídos superiores a 85dB poderia ser cogitada como geradora do direito à aposentadoria especial no caso do magistério, ainda assim estaria sujeito a uma avaliação técnica do ambiente. Ou seja, a atividade do magistério não se enquadra nos casos de aposentadoria especial, sendo, portanto, considerado somente uma modalidade diferenciada de aposentadoria por tempo de contribuição.

Com isso, autores como Soares (2009) apontam que a manutenção desse direito está mais vinculada à penosidade da atividade, que é definida por Marques (2007) como:

O trabalho penoso está relacionado à exaustão, ao incômodo, à dor, ao desgaste, à concentração excessiva e à imutabilidade das tarefas desempenhadas que aniquilam o interesse, que leva o trabalhador ao exaurimento de suas energias, extinguindo-lhe o prazer entre a vida laboral e as atividades a serem executadas gerando sofrimento, que pode ser revelado pelos dois grandes sintomas: insatisfação e a ansiedade.

Podemos somar, ainda, à realidade do professor, elementos como más condições de trabalho, longas jornadas, uso contínuo da voz e burnout – resposta ao estresse prolongado e crônico.

Reflexo disso, Delcor (2004), em um estudo transversal realizado na rede particular de ensino na cidade de Vitória da Conquista na Bahia com professores da pré-escola até o nível médio, apontou que, dentre os principais problemas de saúde relatados, 60% referiam-se a cansaço mental, 52% a dores nos braços e nos ombros e 51% a dores nas costas.

Em 2012, o levantamento “A Saúde do Professor na Rede Estadual de Ensino”, feito pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo em parceria com o Dieese, revelou ainda que diversos problemas de saúde são causados por estresse em sala de aula e que, dos professores da rede, quase 20% sofrem de depressão, sendo que 57% destes foram afastados (APEOESP, 2012).

Apesar de alarmante, os problemas psicológicos não são os que mais afetam a saúde do professor. Segundo dados da secretaria de gestão pública do Estado de São Paulo, os problemas físicos foram os principais motivos de afastamentos em 2011, levando 3.817 professores efetivos a se afastarem por doenças como hipertensão arterial, diabetes e problemas respiratórios (APEOESP, 2012). Desta forma, se considerarmos que no referido ano a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo teve um contingente médio de 118.117 docentes efetivos (SÃO PAULO, 2016), estamos falando em 3,23% do quadro de professores afastados.

Entretanto, quando comparado com a realidade da população brasileira como um todo, vê-se que tais valores não possuem sustentação suficiente para corroborar o privilégio previdenciário do professor, isso porque alguns dos percentuais citados não são exclusividades dessa classe trabalhadora, conforme podemos observar na Tabela 2.

 

Tabela 2. Doenças crônicas não transmissíveis de maior prevalência na população brasileira no ano de 2003.

Doenças Crónicas não Transmissíveis

Prevalência no Brasil (%)

Hipertensão arterial

21,4

Coluna

18,5

Depressão

7,6

Artrite

6,4

Diabetes

6,2

Fonte: autor[2]

É inegável que o professor exerce uma atividade de grande pressão social, Soares (2009), por exemplo, pontua que o mesmo tem de se moldar constantemente em função das condições sociais em que as pessoas o utilizam, e Dartora (2012) completa, ainda, dizendo que:

Aulas dinâmicas, envolventes, atraentes e agradáveis exigem do professor a atuação corpórea durante todo o seu labor. O movimento do corpo, das pernas, das mãos, a voz, tudo isso é condicionado pelo seu modo de trabalho. O professor se mantém em permanente movimento: de sala em sala, de escola em escola e até de município em município, em dupla ou tripla jornada de trabalho.

Mas se comparado com outros profissionais, como os da saúde, carteiros e seguranças noturnos, que possuem em comum o fato da exigência constante de esforço físico e/ou mental, o que provoca incômodo, sofrimento ou desgaste da saúde, cabe refletir o porquê somente o professor faz jus a aposentadoria privilegiada.

Dartora (2008) acredita que os trabalhadores da área do magistério pertencem a um grupo de profissionais diferenciados tanto nas regras do Direito Trabalhista como nas do Direito Previdenciário, e que são identificados em razão do trabalho e não da atividade econômica que exercem. Soares (2009) acrescenta, ainda, que o benefício previdenciário dos professores, longe de ser um privilégio, é uma medida de interesse social.

Ou seja, é possível que os critérios de elegibilidade diferenciados para a aposentadoria do professor tenham mais a ver com a importância social da função do que necessariamente à penosidade ou risco da atividade, visto que, em países como o Canadá também é possível identificar variações para esse tipo de legislação.

No entanto, vale lembrar que, apesar de no Canadá encontrarmos privilégios para os professores, os programas de aposentadoria do país não deixam de incentivar a continuidade da atividade magistral, muitas vezes bonificando seus profissionais com benefícios maiores tanto quanto maior o tempo trabalhado.

Sendo assim, será que, dentro do cenário previdenciário atual do Brasil, manter o privilégio de redução de cinco anos para a aposentadoria por tempo de contribuição do professor ainda é a melhor opção? Prestigiar com benefícios melhores os professores que continuem exercendo sua função por mais tempo, por exemplo, possivelmente traria mais equilíbrio financeiro e atuarial para a previdência do Brasil, uma vez que resultaria também em maior tempo de contribuição. Portanto, aquém da discussão sobre o mérito da redução de cinco anos no tempo de contribuição, é fato que outras alternativas deveriam ser estudadas como plano de previdência para a classe.

 


[1] Tabela elaborada pelas autoras com base em informações coletadas nos portais Teacher’s Pension Plan de cada uma das províncias do Canadá.

[2] Tabela elaborada com informações coletadas em BRASIL, 2015.

 

 

 

Referências Bibliográficas

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_____. Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, Modifica o sistema de previdência social, estabelece normas de transição e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial da União, 1998.

_____. Lei n. 11.301, de 10 de maio de 2006. Altera o art. 67 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, incluindo, para efeitos do disposto no §5º do art. 40 e no §8º do art. 201 da Constituição Federal, definição de funções de magistério. Brasília: Diário Oficial da União, 2006.

______. Ministério da Saúde. Saúde Brasil 2014: uma análise da situação da saúde e das causas externas. Brasília: Ministério da Saúde, 2015. Disponível em: < http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_brasil_2014_analise_situacao.pdf> Acesso em: 16 out. 2016.

DARTORA, C. M. Aposentadoria dos professores: aspectos controvertidos. Curitiba: Juruá, 2008. p. 95 e 96.

_____. Aposentadoria do Professor. 2ª ed., Curitiba: Juruá, 2012.

DELCOR, N., S. et al. Condições de trabalho e saúde dos professores da rede particular de ensino de Vitória da conquista, Bahia, Brasil. Cadernos de Saúde Pública. v. 20, n. 1, p. 187-196, Rio de Janeiro, 2004.

GOES, H. Manual de direito previdenciário: teoria e questões. 8ª ed. Rio de Janeiro: Editora Ferreira, 2014.

IBRAHIM, F. Z. Curso de direito previdenciário. 20ª ed. Niterói: Editora Impetus, 2015. p. 54.

MARQUES, C. A proteção ao trabalho penoso. São Paulo: LTr, 2007.

MTPS, INSS e DATAPREV. Anuário estatístico da previdência social: AEPS 2014. Brasília, 2014. Disponível em: <http://www.previdencia.gov.br/wp-content/uploads/2016/07/AEPS-2014.pdf>. Acesso em: 22 de set. de 2016.

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